
Helena Schröer
Sócia do Evermonte Institute
Por muito tempo, os conselhos de administração foram territórios quase exclusivamente masculinos, onde a presença feminina era exceção — e, muitas vezes, meramente simbólica. Hoje, esse cenário começa a mudar, ainda que lentamente. O estudo Women at the Top, conduzido pelo Evermonte Institute, joga luz sobre quem são as mulheres que conseguiram romper essa barreira e alcançar uma cadeira em espaços estratégicos das organizações brasileiras. E os dados revelam o que, intuitivamente, já se suspeitava: para elas, o caminho até o topo é mais longo, mais difícil — e exige mais.
A pesquisa mostra que as mulheres nos conselhos de administração investem significativamente mais em formação do que os homens. São 49% mais formações e 87% mais certificações. E não se trata de qualquer formação: cursos em Harvard, Berkeley e Tel Aviv aparecem com frequência nos currículos dessas profissionais. A qualificação, nesse caso, cumpre dupla função: é um instrumento de preparação, sim, mas também um mecanismo de validação. Em outras palavras, para que suas vozes sejam ouvidas com o mesmo peso, elas precisam apresentar credenciais acima da média.
A trajetória profissional dessas mulheres também chama atenção. As conselheiras da amostra apresentam um perfil profissional de alta qualificação técnica e ampla diversidade de trajetórias. A média, que gira em torno de 16 experiências profissionais (entre a atuação executiva e cadeiras de conselho), indica não apenas senioridade, mas uma carreira marcada por mobilidade, pluralidade setorial e exposição a múltiplos desafios organizacionais. A maioria iniciou a aproximação com o board por meio de projetos de planejamento estratégico, ganhando reconhecimento por resultados concretos e entregas relevantes. Mais uma vez, é a excelência que legitima a presença.
Não por acaso, a participação ativa em redes como o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e o Women Corporate Directors (WCD) é recorrente entre essas profissionais. Nessas redes, elas ampliam sua visibilidade, constroem conexões e reforçam sua autoridade — elementos essenciais em um ambiente onde a cultura corporativa ainda carrega um viés de gênero profundamente enraizado.
Por outro lado, o estudo também mostra que a performance técnica está à frente de questões de gênero. Homens e mulheres vêm majoritariamente das áreas de Finanças e Negócios. No entanto, a composição dessas origens revela padrões distintos de especialização entre os dois grupos. Ao passo que mais de 80% dos perfis masculinos estão concentrados em áreas diretamente associadas à gestão de resultados, controle e eficiência, as mulheres trazem (ainda) bagagens voltadas à governança institucional, gestão de stakeholders e cultura organizacional. Essa diversidade de trajetórias e olhares é um ativo poderoso para os conselhos, que ganham em complexidade analítica e capacidade de responder aos desafios contemporâneos.
No entanto, o dado mais eloquente talvez seja outro: a desigualdade está embutida até mesmo na excelência. Para ocupar o mesmo espaço, as mulheres precisam fazer mais, estudar mais, se provar mais. Isso diz menos sobre elas — e mais sobre o sistema. A meritocracia, quando descolada do contexto estrutural, deixa de ser justa e se torna uma cortina de fumaça para desigualdades persistentes.
É hora de olhar para além dos nomes e cargos. Em meio à contínua construção de legitimidade, não há déficit de qualificação ou experiência - há, ainda, assimetrias de acesso. Por isso, precisamos de políticas de diversidade que sejam mais do que compromissos formais. Precisamos de mudanças sistêmicas que reconheçam o valor de trajetórias plurais e femininas.