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João Alfredo Lopes Nyegray*
O pontificado do Papa Francisco, iniciado em 2013, marcou uma guinada na atuação internacional do Vaticano e na forma como a Santa Sé se posiciona frente aos desafios geopolíticos do século XXI. Oriundo do sul global — sendo o primeiro papa latino-americano da história — Jorge Mario Bergoglio trouxe à Cúria Romana uma perspectiva periférica que tensiona os antigos centros de poder dentro e fora da Igreja. Seu papado foi caracterizado por uma diplomacia ativa, engajada e, em muitos casos, disruptiva, aproximando a Santa Sé de um papel não apenas religioso, mas também de ator relevante no sistema internacional.
Desde uma perspectiva das Relações Internacionais, o Papa Francisco pode ser compreendido como um “
soft power actor” por excelência, conforme a definição de Joseph Nye (2004). Utilizando-se de sua autoridade moral e da proeminência simbólica do papado, Francisco atuou como mediador, defensor de agendas humanitárias e promotor de um multilateralismo ético, muitas vezes em contraste com a lógica realista da geopolítica tradicional. Essa atuação colocou o Vaticano como uma potência
sui generis no sistema internacional — sem exército ou poder econômico significativo, mas com grande capacidade de influência moral e diplomática.
Um marco notável de seu pontificado foi a visita ao Iraque em 2021, a primeira realizada por um papa àquele país. O gesto teve repercussões globais: em um contexto marcado por décadas de guerra, terrorismo e tensões sectárias entre xiitas e sunitas, a presença de Francisco foi interpretada como um esforço contundente pela paz inter-religiosa. O encontro com o Grande Aiatolá Ali al-Sistani foi um símbolo eloquente de diálogo entre o Cristianismo e o Islã xiita. Como sublinha John L. Allen Jr. (2021), especialista em Vaticano, a visita consolidou o papa como um arquiteto da “diplomacia inter-religiosa” num dos terrenos mais voláteis do planeta.
Outro exemplo do seu protagonismo internacional foi a inédita participação na cúpula do G7 em 2024, na Itália, na qual discursou sobre os riscos éticos da inteligência artificial. Francisco foi o primeiro pontífice a participar de uma reunião do G7, o que não só reforça a abertura das democracias ocidentais às vozes morais globais, mas também evidencia o reconhecimento do Vaticano como ator legítimo nas questões contemporâneas mais sensíveis — do clima à tecnologia. O evento demonstrou a capacidade da Santa Sé de atuar como um contraponto ético ao utilitarismo tecnocrático, resgatando o papel das religiões na formulação de políticas públicas globais.
Além disso, o Papa teve papel de destaque em temas como a crise migratória, o conflito israelo-palestino, a guerra na Ucrânia e a ameaça das mudanças climáticas. Sua encíclica
Laudato Si’ (2015) tornou-se referência mundial ao tratar da ecologia integral, promovendo uma crítica sistêmica ao modelo de desenvolvimento vigente. A abordagem do Papa Francisco converge com as análises da “geopolítica crítica” (Ó Tuathail, 1996), ao revelar como as estruturas globais de poder contribuem para desigualdades e exclusões ambientais e sociais. Francisco denunciou a "globalização da indiferença", resgatando a ideia de justiça social como fundamento da ordem internacional.
O falecimento de Francisco dá início ao período denominado “sede vacante”, isto é, a ausência de ocupante da Sé de Pedro. Durante esse período, o governo da Igreja passa ao Colégio de Cardeais, mas de forma limitada: eles não podem tomar decisões doutrinais ou fazer nomeações. A administração ordinária do Vaticano fica sob responsabilidade da Câmara Apostólica, cujo camerlengo (ou camerlengo da Santa Igreja Romana) tem a função de verificar oficialmente a morte do papa — tradicionalmente, tocando o corpo e chamando-o três vezes pelo nome de batismo.
Após os ritos fúnebres, inicia-se o processo de eleição do novo papa, chamado conclave (cum clave, "com chave"), pois os cardeais eleitores são literalmente enclausurados até que escolham um novo pontífice. De acordo com a
Universi Dominici Gregis, o conclave deve iniciar-se entre 15 e 20 dias após o falecimento do papa, para dar tempo à chegada de todos os cardeais eleitores e à celebração completa dos
novendiali.
Participam do conclave apenas os cardeais com menos de 80 anos de idade na data do falecimento do papa. Eles se reúnem na Capela Sistina, no Vaticano, sob rigorosas medidas de sigilo e isolamento. As votações acontecem duas vezes pela manhã e duas vezes à tarde, com até quatro votações diárias, até que um candidato alcance dois terços dos votos.
A eleição é feita em cédulas manuscritas e o resultado é imediatamente queimado em uma lareira especial: se não houver papa, usa-se uma substância para que a fumaça saia preta; quando um novo papa é eleito, queima-se a cédula com substâncias que produzem fumaça branca — o famoso sinal do
Habemus Papam.
Ainda que seja um processo religioso, o conclave tem implicações geopolíticas consideráveis. A escolha de um papa pode refletir tendências globais e prioridades da Igreja Católica no mundo. A eleição de Francisco, por exemplo, indicou uma abertura à América Latina, à periferia global e a temas como pobreza, migração e justiça social — influenciando inclusive a forma como a Igreja se insere em debates internacionais.
*João Alfredo Lopes Nyegray é mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Professor de Negócios Internacionais e Geopolítica da PUCPR e de Relações Internacionais da FAE. Instagram: @janyegray