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Entre ovos de chocolate, coelhos e vitrines coloridas, uma outra Páscoa ganha forma em Curitiba. A das pêssankas, tradição trazida pelos povos eslavos e preservada por gerações de descendentes ucranianos que se estabeleceram na capital paranaense por volta de 1895. Esses ovos decorados à mão trazem símbolos de fé, esperança e renovação.
A arte de colorir ovos pascais, ou pêssanky (plural de pêssanka, derivado do verbo ucraniano pessaty, que significa escrever), é ancestral, anterior ao Cristianismo. Com a chegada da fé cristã, o costume passou a incorporar também o simbolismo da ressurreição, reafirmando valores como o renascimento, esperança, saúde e prosperidade, passando a simbolizar a ressurreição de Cristo, com a promessa de um mundo melhor.
As pêssankas são criadas com paciência e devoção, carregando significados espirituais e uma história que remonta à antiga Ucrânia. Cada traço desenhado com cera sobre a casca do ovo é protegido em camadas, revelando, ao final, um mosaico de cores e símbolos.
“A pêssanka é, na verdade, uma mensagem”, explica o artista curitibano Jorge Serathiuk, que se dedica a essa arte há 46 anos. Ele, além de manter viva a tradição dos seus ancestrais, transformou a arte em fonte de renda e reconhecimento cultural.
A técnica envolve banhos sucessivos de tinta e coberturas com cera em ovos crus para proteger cada cor, num processo chamado de pintura por imersão. “A ordem é sempre do mais claro para o mais escuro: branco, amarelo, vermelho e por fim, o preto, que é o fundo”, conta. A cera é removida com calor, revelando os padrões intrincados. "É como uma mágica", brinca Jorge.
Após a pintura, a clara e a gema são extraídas, a peça é envernizada e o interior do ovo é recheado em gesso. Há ainda variações, como as pêssankas feitas com vinagre, que usam a corrosão da casca do ovo como recurso estético.
Durante a era soviética (1922-1991), quando a Ucrânia foi anexada ao bloco de países que formavam a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a arte das pêssankas ficou proibida. “A União Soviética tratou de liquidar a cultura das repúblicas. Qualquer manifestação cultural era proibida. Queriam criar uma identidade soviética, mas isso não existia”, relembra Jorge.
Em 1992, com a independência da Ucrânia, Jorge foi convidado pelo governo ucraniano a ensinar a técnica no país de origem de seus antepassados. “As pessoas que sabiam fazer pêssankas já tinham morrido. Fomos ajudar a retomar a cultura do país”, relata o artista curitibano.
Em Curitiba, Jorge e a esposa, Iara Serathiuk, já produziam pêssankas desde a década de 1980. A arte ganhou sucesso após uma pequena exposição no antigo Centro de Criatividade, atual Memorial Paranista, que rendeu ao casal as primeiras encomendas.
Jorge e Iara participaram de exposições internacionais de ovos pascais, incluindo França e Suíça, onde ganharam o prêmio “Ovo de Ouro” em 1986, na cidade de Nyon (Suiça).
Hoje, obras como as de Jorge e Iara são vendidas como lembranças de casamento, peças de coleção ou presentes. Pêssankas podem ser encontradas nos ateliês e feiras da cidade. Cada uma carrega tempo, dedicação e um laço com o passado.
No Parque Tingui, o Memorial Ucraniano é um dos principais espaços de valorização dessa cultura em Curitiba. Painéis retratam a riqueza espiritual e artística dos imigrantes. O local é ponto de visitação, mas também de celebração. Na véspera da Páscoa, sábado de Aleluia, a comunidade ucraniana em Curitiba realiza no Memorial Ucraniano a benção dos alimentos, uma tradição religiosa.
O Memorial Ucraniano de Curitiba é uma réplica da Igreja de São Miguel, localizada na Serra do Tigre, município paranaense de Mallet onde chegaram os primeiros imigrantes ucranianos, por volta de 1891. Na área externa do Memorial existe uma réplica gigante de pêssanka, feita de bronze, idealizada por Jorge.
Além do Memorial, a Sociedade Ucraniana do Brasil, com 100 anos de existência, e a Sociedade Poltava, no Água Verde, promovem eventos, cursos e encontros a respeito das tradições e cultura ucraniana. “Quando o país de origem é pressionado, como foi a Ucrânia, a comunidade tende a se unir. E aqui em Curitiba, os ucranianos são muito unidos”, diz Jorge.
Os descendentes ucranianos na capital representam cerca de um terço da comunidade paranaense da etnia. “A cidade é uma colcha de retalhos. Várias etnias se encontram aqui. Isso é o que faz a riqueza dela”, afirma Jorge.
Para os interessados em adquirir as pêssankas, os desenhos usados em sua confecção possuem diferentes significados. Pássaros significam boa fertilidade e proteção contra o mal. Peixe é o símbolo primitivo que representa o cristianismo, Jesus Cristo.
As estrelas representam longa vida, esperança e luz. Outro exemplo são flores, que remetem ao amor e à caridade.
As cores também trazem uma simbologia específica às peças. Amarelo remete a sabedoria; vermelho, vitalidade; e o branco, cor primária na confecção dos ovos pascais ucranianos, significa pureza.
com SMCS