
Foto de Joseph Chan na Unsplash
João Alfredo Lopes Nyegray e Bianca Junqueira Storrer*
Nessa semana, a disputa entre Donald Trump e Kamala Harris terá seu desfecho. Tradicionalmente realizadas na primeira terça-feira após a primeira segunda-feira de novembro, as eleições estadunidenses seguem uma prática estabelecida em 1845, durante um período em que o país era predominantemente agrário. Na época, o Congresso dos EUA escolheu a terça-feira para acomodar as demandas logísticas e religiosas da população rural. A segunda-feira foi evitada para que os eleitores não precisassem viajar no domingo, considerado um dia de descanso religioso, enquanto o final do ano foi escolhido para evitar os rigores do inverno, que dificultariam o transporte até os centros de votação.
Outra característica peculiar do sistema eleitoral estadunidense, e uma significativa diferença em relação às eleições presidenciais brasileiras, é a respeito dos chamados “delegados”. Os criadores da Constituição estadunidense de 1787, ainda em vigor, criaram o Colégio Eleitoral, um grupo de representantes com um dever em comum: emitir votos oficiais de cada estado para a eleição do presidente.
De acordo com o
Federalist No. 68, escrito por Alexander Hamilton, o Colégio Eleitoral foi idealizado como uma barreira ao que ele chamou de "tumulto e desordem" e como proteção contra influências externas e manipulação eleitoral, limitando a possibilidade de que "um candidato sem as qualidades necessárias" alcançasse o poder (Hamilton, 1788). Nesse contexto, o Colégio Eleitoral emerge como uma "instituição mediadora", na qual eleitores designados pelos estados atuam como intermediários entre a população e o governo, promovendo um equilíbrio entre a soberania popular e a segurança das instituições (Dahl,
How Democratic is the American Constitution?, 2003).
Cada estado dispõe de um número de eleitores equivalente à soma de seus representantes na Câmara dos Representantes e no Senado. Esse arranjo, fundamentado no federalismo, atende ao princípio de que cada estado, independentemente de sua população, deve ter uma representação mínima garantida, reforçando a estabilidade da união federativa (Kaufman,
The Origins of American Federalism, 1984). Alguns estados, como o Texas, são tradicionalmente Republicanos, enquanto outros, como a Califórnia, são tradicionalmente Democratas.
Dessa forma, cada delegado representa um voto eleitoral, e um candidato precisa obter a maioria dos votos (270 ou mais) para ganhar a presidência. Assim, nos Estados Unidos, o sistema de votação é indireto: em vez de votar diretamente no candidato à Presidência, como ocorre no Brasil, a população escolhe "delegados" do partido em cada estado, e esses delegados emitem os votos oficiais de cada estado na eleição presidencial.
Outra particularidade das eleições estadunidenses é a variedade de formas de votar. Enquanto no Brasil o voto é exclusivamente presencial, nos EUA há 4 métodos disponíveis. Tradicionalmente, os eleitores comparecem pessoalmente às urnas na terça-feira designada para votar. Embora essa prática seja limitada em flexibilidade, ela mantém uma tradição que favorece o comparecimento físico, com o intuito de fortalecer a legitimidade do processo eleitoral por meio de uma celebração cívica coletiva. O voto presencial antecipado, disponível em muitos estados, permite que os eleitores votem antes do dia oficial, reduzindo a pressão sobre as urnas e facilitando o acesso para aqueles com restrições de tempo ou mobilidade.
O voto por correio, implementado em larga escala em alguns estados, possibilita que os eleitores enviem suas cédulas pelo correio, sem necessidade de comparecer fisicamente. Esse método ganhou popularidade, especialmente durante a pandemia da covid-19, quando a saúde pública era uma prioridade. Nessa modalidade, é necessário um cadastro prévio e várias verificações de segurança. Outra alternativa é o uso de pontos de coleta seguros (
drop-off points), onde os eleitores podem deixar suas cédulas em urnas supervisionadas, combinando a conveniência do voto por correio com uma entrega direta e segura, evitando possíveis atrasos postais.
O que veremos nessa semana é a mais polarizada eleição estadunidense das últimas décadas. A polarização impacta o sistema do Colégio Eleitoral, onde estados-chave (
swing states) se tornam o foco das campanhas eleitorais, uma vez que a maioria dos estados é firmemente “vermelha” (Republicana) ou “azul” (Democrata). Essa dinâmica concentra a disputa eleitoral em poucos estados, marginalizando eleitores em estados previsíveis e limitando a expressão democrática em nível nacional. Esse processo eleitoral não apenas reflete, mas intensifica as divisões políticas do país, tornando o desfecho das eleições em uma ampla especulação e incerteza até a última cédula ser contada.
*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray
*Bianca Junqueira Storrer é estudante do curso de Relações Internacionais e membro do Observatório Global da Universidade Positivo (UP).