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Inocência Pereira Mendes, avó do poeta Paulo Leminski Filho, preta e indígena, morreu em Curitiba no ano de 1920 de pneumonia, versão oficial para as vítimas da gripe espanhola. Já a tataravó materna era uma cigana espanhola eternizada em pintura no Museu do Prado, em Madri. Essas são duas de inúmeras descobertas de Estrela Ruiz Leminski em suas escavações genealógicas que resultaram no romance Quando a Inocência Morreu.
Editado pela Iluminuras, a maratona de lançamento do livro começa por Curitiba hoje, 5 de julho de 2024, na Escola da Escrita, às 19h.
Inocência, como metáfora tem morte simbólica todo dia, me responde Estrela Leminski. Uma delas é bem recente: “Assim como na pandemia da covid a causa mortis era falência respiratória, na gripe espanhola era pneumonia. Foi muito doido porque descobri isso tudo no meio no isolamento”. E o que era para ser uma tese acadêmica de música virou biografia de imigrantes, entre lendas e realidades (fantásticas muitas vezes, só lendo po livro).
Compositora e cantora, a romancista estreante foi fazendo suas descobertas por necessidade de descobrir a história de sua família, os pais poetas (Paulo e Alice Ruiz, e Áurea, a irmã jornalista). Na verdade, tudo começou em 2009 quando ela foi para a Espanha, como bolsista em mestrado de Musicologia. Envolta em pergaminhos e longe de casa, ela foi instigada pelo sentimento de não-pertencimento dos imigrantes. Da música, partiu para a História.
Na Espanha, enfim, ela percebeu que “estava fazendo o caminho inverso da minha bisavó castelhana. Pesquisava Curitiba e me vinha a inquietude de ser um lugar com uma configuração étnica enorme de migrações distintas. Essa inquietude eu pensava que viraria um doutorado. Mas acabou virando literatura”, lembra. E passou a sondar de perto as lendas familiares, leu as anotações deixadas pelo avô polaco Paulo Leminski e pelo próprio pai, acessou documentos internacionais da Polônia e da Ucrânia, fez até aquele teste de saliva para desfolhar a árvore genealógica e encontrar parentes distantes, matando curiosades e a necessidade de entender seu núcleo familiar.
Mas além da pesquisa, Estrela sentiu necessidade de fazer um curso de narrativa e buscou a Escola da Escrita, espaço cultural curitibano onde seu marido, o músico Teo Ruiz, já havia lançado um livro. Estrela lançou seu primeiro livro, "Cupido, cuspido, escarrado", em 2004. Em 2010, publicou "Poesia é Não" pela editora Iluminuras e em 2012 e adotado por escolas em todo o país. Ela também participou de várias antologias de poesia, mas agora ia explorar novas letras.
Estrela recorda; “Eu tinha estudado teoria da poesia, eu acreditava que algumas questões, fontes e inspirações eram exclusivas da poesia. Mas no curso descobri que tudo isso é também muito bem vindo na prosa e me despertou para o romance que eu já havia delineado”.
Contudo, veio o susto. Papai Paulo Leminski sofreu horrores escrevendo Catatau, sabem Alice e amigos bem chegados. E meio século depois, a filha percebe na própria pele que há dor na escrita. Teve momento que ela quis desistir: “Era mais fácil fazer um curso de marcenaria e construir uma mesa ou cadeira”, choramingou para Julie Fank, diretora da Escola Criativa. Afinal, era comum o núcleo de escritores da turma reclamar de bloqueio criativo, sofrimento, etc etc.
Mas Julie Fank, “escritora e professora de escrita criativa incrível”, demonstrava que o ato de escrever “é como qualquer oficio”. E a romancista estreante, antes de entregar Quando a Inocência Morreu aos leitores, fez outra descoberta: “Escrever é uma trabalho braçal, afinal exige musculatura e ferramentas”. Por fim, o aprendizado a levou a compreender ainda que, em tempos de Inteligência Artifical, a ferramenta mais requisitada Para se escrever um romance é a própria alma.
Resenha de uma biografia fantástica
Diante de uma leitura ainda inédita, os editores explicam: O livro é segmentado pelas histórias de cada personagem e por perguntas base: "quem", "quando", "onde" e "por quê", explorando personagens como Pedro, bisavô de Paulo Leminski, e Luíza, tataraneta no futuro de outra Luíza, avó de Alice Ruiz. A história ainda inclui Josefa, avó de Ruiz, e Inocência, avó de Leminski, a que morreu jovem durante a gripe espanhola em Curitiba.
A pesquisa de Estrela revelou a invisibilidade feminina e as narrativas não contadas que frequentemente resultam no apagamento das histórias. Ela cita no livro que existem três mortes: a do corpo, a do esquecimento e a do nome não escrito. Determinada a preservar a memória de sua família, Estrela transformou sua pesquisa em quatro histórias independentes, onde curiosamente ela não aparece.
“Para mim, era muito importante trazer um fio condutor que me tirasse da pessoalidade”, afirma. “Na realidade eu parti da minha família mas em algum momento assumi a ideia que era ficção. Com isso, além da liberdade criativa, tomei liberdade de incorporar na minha história, causos da família de amigos. Além disso, eu parti de elementos narrativos universais, o medo da morte, o amor não correspondido, a busca por identidade. Eu nunca quis contar uma história monótona cheia de datas, e heróis do cotidiano. Minha intenção é que se alguém não faz ideia de que são histórias baseadas em fatos reais ela mergulhe da mesma forma. O curioso é que muitas das coisas que parecem invenção são reais, e muitas das coisas que parecem fatos foram criadas”.
Essa mistura, que a autora chamou de biografia fantástica, surge permeada por livros, baralhos, árvores e ciganos. Histórias sobre pertencimento, ancestralidade e identidade que se entrelaçam neste que é o terceiro livro de uma artista, que tem uma longa carreira dedicada à música.
Lançamentos
05/jul. Curitiba (PR)
Escola de Escrita (Praça Osório,
379 - Sala 901) ,das 19h àa 22h, com palestras de Estrela e Julie
06/jul. Antonina (PR)
Livraria da Barca às 17h
19/jul. Porto Amazonas (PR)
Centro de Eventos Maria Emília Ribas Chemin às 17h
20 e 21/jul. Congonhinhas (PR)
Ginásio de Esportes Pedro Domingues da Costa às 16h
27/jul. São Luís Purunã/Balsa Nova
Casa da Estrela às 16h
Para comprar: https://www.iluminuras.com.br/quando-a-inocencia-morreu