Afinal, o que está acontecendo no Haiti?
19/03/2024 às 08:00
Foto: reprodução
por Priscila Caneparo
 
Há muito tempo, tem se observando um alto grau de instabilidade social e política no Haiti, culminando em uma crise de segurança aguda, incrementada pela falta de governança após o assassinato do então Presidente Jovenel Moïse, em 2021. A violência disparou ao longo de 2023, quando as gangues se consolidaram no controle de mais de 80% de Porto Príncipe, capital do país. À medida que a aplicação da lei se atrofia, o Conselho de Segurança das Nações Unidas autorizou o ingresso de forças de segurança, lideradas pelo Quênia, para auxiliar a polícia haitiana no combate à violência das gangues. Porém, a missão tem sido repetidamente adiada.
Deve-se ter em mente, para compreender o entrecho do Haiti, um pouco de sua história. A pequena nação caribenha conquistou a sua independência da França no início do século XIX, tornando-se a primeira república liderada por negros no mundo, tendo enfrentado, desde então, muitos desafios atrelados ao desenvolvimento. As fracas instituições políticas do país facilitaram a consolidação da corrupção e da impunidade, vindo, em conjunto com os desastres naturais, a exacerbarem a pobreza e a desigualdade. Nesse entrecho, o Estado tornou-se o mais pobre do hemisfério Ocidental.
Sua história política também é extremamente problemática: marcada por vários golpes de Estado, regimes ditatoriais e intervenções estrangeiras. De 1957 a 1986, o Haiti foi liderado pelo ditador François Duvalier (Papa Doc) e, posteriormente, por seu filho, Jean-Claude Duvalier (Baby Doc). Tais governos foram caracterizados por abusos generalizados dos direitos humanos, repressão política e corrupção. Após uma grande onda de ebulição social, em 1990, o Haiti realizou sua primeira eleição livre e justa, com a vitória de Jean-Bertrand Aristide, mas tendo sido deposto por um golpe militar no ano seguinte. Em 1994, os Estados Unidos lideraram uma intervenção para restaurar o poder de Aristide e, em 2004, novamente intervieram no país, dessa vez pressionando Aristide a renunciar devido às acusações de corrupção e revoltas populares.
Após a expulsão de Aristide do poder, em 2004, a Organização das Nações Unidas estabeleceu uma missão de paz de 13 anos, conhecida como Missão de Estabilização da ONU no Haiti (MINUSTAH). Tal Missão viera com o objetivo de ajudar no restabelecimento da lei e da ordem, construir uma nova força policial e auxiliar nos esforços de reconstrução após o devastador terremoto de 2010. No entanto, a MINUSTAH foi vista como uma missão controversa pela população haitiana: foi acusada de abusar sexualmente dos habitantes locais e de introduzir a cólera na ilha, vindo a matar quase dez mil haitianos.
A turbulenta história de liderança política no Haiti contribuiu significativamente para a atual crise de segurança do país. O Presidente Michel Martelly deixou o cargo em 2016, após adiar por duas vezes as eleições presidentes, e governar por decreto por mais de um ano. Seu sucessor, Jovenel Moïse, foi eleito em novembro de 2016, mas só assumiu o cargo no início de 2017, depois que as alegações de fraudes nas urnas prolongaram o processo eleitoral. Quando assumiu, o Haiti ainda estava se recuperando das consequências de um furacão de categoria 4, que atingiu seu território em outubro de 2016.
Como muitos de seus antecessores, o mandato de Moïse foi marcado por turbulências políticas e sociais, agrando a crise de segurança. Os líderes da oposição o acusaram de se consolidar no poder ao restringir os poderes do Judiciário e estabelecer uma agência de inteligência que se reportava exclusivamente a ele. Com o aumento dos apelos para sua remoção, MoÏse se recusou a renunciar e, em vez disso, governou por decreto de 2017 a 2021. Sob sua liderança, o Haiti não realizou eleições por 4 anos. A violência das gangues contra os cidadãos aumento e a ONU denunciou diversos cenários de iolações de direitos humanos.
Em julho de 2021, Moïse foi assassinado e, desde então, o Haiti tem vivido um agravamento da instabilidade política, da violência criminal e de uma crescente crise humanitária. Gangues poderosas se tornaram a autoridade de fato e em muitas partes do país, especialmente em Porto Príncipe, o governo continua seus esforços para (tentar) recuperar o controle.
Por fim, há de se destacar que as gangues são a principal fonte de instabilidade e de violência no Haiti, controlando o cenário político e econômico do país. Em outubro de 2021, uma coalizão de nove gangues de Porto Príncipe, conhecida como G9, bloqueou o maior terminal de combustível do Haiti, que fornecia 70% do gás ao país. O G9 exigiu a renúncia do Primeiro-Ministro, Henry, como condição para remover o bloqueio. No entanto, acabou cedendo para permitir a retomada da distribuição de suprimentos essenciais de combustível. Estima-se que 200 gangues operem no Haiti, dentre as quais 95 encontram-se em Porto Príncipe e em suas proximidades. Assim, a concorrência fez com que as gangues se unissem em 7 grandes coalizões, levando e explicando a escalada de crimes violentos, sequestros e total instabilidade que hoje o Haiti está passando.
 
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