Clodovil - o visionário de uma moda com savoir faire à brasileira
27/10/2020 às 21:20
 

Nascido em 17 de junho de 1937 na cidade paulista de Elisário, e registrado como “Clodovir” Hernandes, o que ele assegurava ter sido um erro de datilografia muito comum naqueles idos da década de trinta, o pioneiro da alta moda brasileira era, nas palavras do Jornalista Guilherme Fiúza “um cara indigesto, especialmente para os hipócritas”.

Nosso costureiro maior, falecido em março de 2009, deixou um legado muito singular a ser sempre lembrado, em especial em seu amor pela moda e o desejo de criar uma elegância à brasileira.

Clodovil, prestigiado por nomes como Cacilda Becker, Elis Regina, Elke Maravilha, e mulheres sofisticadas das famílias Diniz e Matarazzo, ficou conhecido do grande público a partir dos anos 80 mais por conta de sua verve aguçada, sua língua ferina e pelas polêmicas em que se envolveu  como apresentador de televisão.

Mas, a contribuição de Clodovil para a moda brasileira sobrepuja mesquinhas fofocas de bastidores ou depoimentos póstumos de haters de última hora.

Independentemente do seu temperamento intempestivo e uma grande dose de vilania certeira, Clodovil amava o que fazia, idolatrava a beleza da mulher. De suas pranchetas saíam criações ultra femininas e elegantes, que mesclavam magistralmente elementos da haute couture francesa com a leveza da brasilidade, alquimia que ele dominava como ninguém.

Mas, sobretudo, Clodovil tinha um plano para a moda nacional. E ele era grandioso.

Desde cedo apaixonado pelo glamour fashion, o couturier brasileiro nunca escondeu sua origem, o abandono pela mãe biológica e a gratidão aos pais adotivos que, se não legaram a ele grande patrimônio, ensinaram-lhe o valor da educação, e de como ela mudou sua vida.

Ao dezesseis anos, desafiado por colegas do colégio interno católico, desenhou em folhas de caderno uma coleção de onze modelos de vestidos de festa. Os croquis eram tão bons que seis deles foram comprados por uma loja de São Paulo e reproduzidos com sucesso. Esse episódio rendeu ao rapaz o apelido de Jacques Fath, um dos grandes nomes da moda francesa no pós-guerra.  O ano era 1953.

Depois de morar com os pais no interior do Paraná, em Mandaguari, onde deu aulas de desenho e organizou um belo desfile, percebeu que seus sonhos não cabiam mais na pequena cidade interiorana, e com a ajuda financeira do então prefeito que acreditou em seu talento, mudou-se para São Paulo e passou a trabalhar em boutiques elegantes da época.

Com a leveza de seu traço, apego pelo luxo e beleza e estilo único para interpretar a alta costura francesa, talvez a única inspiração da moda brasileira na metade do século XX, Clodovil passou a conquistar muitas clientes de alta sociedade paulistana, até que em 1962 abriu seu próprio atelier na já sofisticada Rua Oscar Freire.

A “moda brasileira” naquele momento da história era um arremedo das criações da haute couture francesa, cujos modelos aqui chegavam por meio de publicações estrangeiras, e eram copiados por costureiras habilidosas contratadas por lojas e Ateliers como Rosita e La Signorella em São Paulo, ou a Casa Canadá no Rio de Janeiro.

Clodovil teve o grande mérito, segundo a jornalista e empresária Constanza Pascolato, de inaugurar uma moda “Made In Brazil”, acrescentando uma irreverência e bom humor ao rigorismo clássico da escola francesa.

Ele acreditava sinceramente que o Brasil poderia ter na moda um setor forte da economia, tão bem organizado quanto a França.

Dizia que uma produção nacional estruturada compreendendo indústrias têxteis, metalúrgicas, fornecedores de matérias primas, e também a alta qualificação da mão-de-obra de costureiras, alfaiates ajudantes, bordadeiras, plissadeiras, etc., exatamente como ocorre na França, ensejaria o fortalecimento da moda local e de uma identidade à brasileira.

Para tanto, sonhava com a criação de uma Câmara Brasileira de Costura de Alta Moda, nos moldes da Chambre Syndicale de la Haute Couture de Paris, que reúne como membros os maiores da costura de todos os tempos e regulamenta esse ofício do luxo.

Porém, o ambicioso projeto tropeçou em dificuldades que iam desde a falta de reconhecimento da categoria até a desunião dos próprios profissionais ao quais faltava a inteligência, ousadia e visão que sobravam ao inimitável Clodovil Hernandes.

Hoje, apesar de números expressivos de nosso parque fabril têxtil, temos uma indústria muito pulverizada com alto grau de informalidade e baixa qualificação.  A presença internacional da moda brasileira é pífia, limitando-se à exportações de insumos de pouco valor agregado. Ah, se nosso Clô tivesse sido ouvido...

Ana Fábia R. de O. F. Martins - Advogada Especialista e Direito e Negócios Internacionais e Moda.

 
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